O fim é uma possibilidade constante. Uma eventualidade inevitável. Nenhuma glória pode ser desfrutada sem que a sombra dos finais paire sobre ela.
A ESTRELA
Em um lugar distante, isolado no
tempo e no espaço, vivia um garoto solitário. Caminhava nu por terras áridas e
acinzentadas, sem nunca questionar para onde estava indo ou quando deveria
chegar. Seus pensamentos eram um amontoado confuso de considerações descritivas.
Analisava a maciez das areias finas do deserto afundando sob seus pés. Refletia
longamente sobre a rigidez de solos inférteis e sobre o desenho pontilhado das
pegadas que deixava para trás. Observava com assombro a desolação da paisagem e
o céu escuro, salpicado de constelações prateadas.
O garoto nunca sofreu de solidão,
pois este conceito lhe era desconhecido. Como poderia sentir ausência de qualquer
coisa quando ele próprio sempre existira numa realidade solitária? Debruçava-se
então sobre as coisas que lhe eram conhecidas: a imensidão de seu planeta
particular ou o infinito que se expandia no céu. E caminhava porque caminhar era
a única coisa que podia fazer. Andava sem rumo num ambiente onde as horas não
tinham relevância, onde os dias e noites se fundiam numa existência perpétua.
Certa vez, enquanto rumava em sua
peregrinação constante, o garoto avistou uma estrela se fragmentando
violentamente num brilho de luz, lançando detritos fumegantes em todas as
direções. Experimentou um êxtase indizível trazido pela novidade daquela explosão.
Não se lembrava de ter catalogado nada tão sublime quanto aquilo, e seus olhos
se encheram de novidade. Ainda maravilhado pelo espetáculo de luzes, viu um daqueles
fragmentos incandescentes cortar o horizonte para cair além das montanhas rochosas
que se desenhavam na paisagem distante.
Pela primeira vez em toda a duração
de uma eternidade, sentiu um tipo de formigamento estranho lhe subir pela
espinha até se alojar no coração. A urgência repentina o levou a caminhar
depressa, e logo estava correndo, considerando mentalmente que agora a
velocidade se materializava sob a forma de uma brisa forte que lhe varria a
pele. Correu pela primeira vez, tendo agora um propósito: precisava cruzar
aquela cordilheira para encontrar o pedaço de estrela que se chocou contra a
terra deserta estendida por trás da cadeia de montanhas. O brilho prateado
daquele fragmento crepitava no horizonte, induzindo o garoto ao fascínio.
Era estranho perceber o tempo como
uma entidade que talvez sempre estivera ali, oculto na apatia de uma existência
sem maiores significados. As montanhas estavam distantes demais, e sua jornada
se estenderia por tempo demais. Cada passo largo estava carregado de ansiedade e
expectativa. O ar seco era pesado. Queimava os pulmões agitados. Correu num ritmo
constante, sem nunca olhar sobre os ombros para ver as pegadas erráticas impressas
no deserto. Subiu colinas íngremes e saltou por cima de rochas mortas, obcecado
pelo clarão tremeluzente no horizonte.
Quando atingiu o pico da
montanha, o garoto viu a fonte daquela luz deitada ao longe, num berço ressequido
de pedras cinzas. Desceu as pressas, sem tirar os olhos da estrela quebrada.
Mais uma eternidade se estendeu antes de finalmente se aproximar do brilho de
prata. Parou e tomou em suas mãos o fragmento, sentindo um calor intenso
irradiar por seu corpo. Seus olhos incrédulos estavam iluminados. Ele nem ao
menos percebeu que suas lágrimas refratavam a luz para formar cristais líquidos
que lhe desciam pelas faces.
Voltou a perambular sem rumo
certo, porém nunca mais seria o mesmo. Carregava nos braços um pedaço das constelações
que tanto o maravilhavam, e podia jurar que aquele detrito perdido se sentia
acolhido nas palmas de suas mãos. A estranheza do propósito era assustadora e
fantástica. Muitas eras se passariam naquela peregrinação apaixonada, e agora o
garoto quase não buscava nos céus a visão das estrelas que lhe eram inalcançáveis.
Caminhou com o coração preenchido, sem espaço para o mundo vazio que o
circundava.
Logo, um outro sentimento faria
morada na alma do menino. Era preocupação. Percebeu com apreensão que o detrito
luminoso irradiava seu brilho com menos intensidade. O calor que o dominava foi
se tornando morno a medida em que o tempo ia afirmando sua presença inevitável.
A estrela estava se apagando, e não havia nada que o garoto pudesse fazer para
evitar aquele processo. Ele tentou absorver o máximo de luz que era possível
absorver, mas o medo era uma constante entre ele e o detrito.
Quando a estrela de prata
finalmente se apagou, um vazio abissal foi aberto no coração do jovem eterno. Ele
parou, e dias incontáveis se derramaram no espaço ao seu redor. Se antes o
planeta deserto lhe era apático, agora tinha ares de condenação. Parecia
insustentável viver no cinza violento daquele lugar. Seus pensamentos não
registravam mais aquela realidade mortiça: voltavam-se com pesar para a
ausência de sua companheira celeste.
Eventualmente, ele voltaria a
caminhar. Suas mãos abertas, porém, seriam um lembrete constante de sua
condição solitária.
Canção Inspiradora: I Never Learn, Likke Li (Álbum: I Never Learn)